sábado, 18 de abril de 2009

ai doi

Ai
Agora que a chuva cai
e doi
ai... doi-me no peito a tua ausência
no meu corpo. No meu leito.
Ai. Se me deito ... Logo não temo . Tremo.
O leito é estreito . É estreito .
Para as noites em que a solidão tamanha,
me rasga, me arranha, me traz como uma aranha
embrulhada num manto, manto d'água , manto pranto.
Manto de que me alimento. Onde me encanto.

Ai... doi! Doi-me no peito quando vais embora. Doeu-me
nesse tempo e doi-me agora. Doi-me que me deixasses
quando estava ali , taça de sonhos, receptiva para ti e
tu não percebias nada e foste embora !

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A princesa do Queijo

A Princesa do Queijo



Gravo
A tua imagem na minha retina pranica
Como se te visse pela primeira vez
E no entanto sei como podem enganar-me
O sentido da visão do tacto e do olfacto
Como o cio nos sentidos altera toda a informação
Que trago de ti comigo desde o sempre

Vejo-te e beijo-te
Em cores dourado, violeta, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho
E outra vez na ordem inversa acompanhadas as cores em notas musicais.

A terminar outra vez vermelho. A cor do desejo.
E branco! É branco quando te beijo.

E fico ali à espera que o branco se preencha
Quando acordares ao som da cor da princesa do queijo.

O Discurso Inovador

O Discurso inovador

A mulher do discurso pirâmide foi construindo o seu edifício pacientemente

desconcentrando os ouvintes, transformando-os em bocejos e suspiros. Alguns de tanto tentar penetrar a força das palavras até adquiriram torcicolos.

Colocou primeiro as mais pesadas, suficientemente impenetráveis e coesas na base. Depois foi construindo metodicamente, umas a agarrar as outras sempre

sobrepostas. Suficientemente sólida a parede das palavras, foi construindo mais

três, que se amparavam à primeira, sempre com estudada inclinação e peso para

que o interior OCO ficasse protegido de intromissões.

Quando por fim terminava a construção, já os topos mais vulneráveis, por terem

sido construidos no final com outro tipo de palavras mais leves e banais, da assistência hipnotizada com a força da erudição palavreática alguém teve de

dizer alguma coisa para o discurso não parecer tão oco como o interior da pirâmide.

E foi quando a voz da criatura soava encantadora por cima da assistência, qual

flauta de Krishna. Já a assistência adormecida, sem atentar ao conteúdo, mas seguindo apenas o som, que alguém deu pelo espírito santo da orelha e ouviu claramente:

- A linguagem poética vai acabar. Agora só podem utilizar-se metáforas eruditas, abstractas e sificientemente dissimuladoras de intenções. - De repente a mulher

que tinha espírito santo de orelha e língua de serpente soltou uma voz meio desconexa:

- Ora, isso não tem nada de inovador. Já se fazia no tempo da outra senhora, utilizarem-se metáforas eruditas, abstractas, e suficientemente dissimuladoras de intenções...

De repente os olhos da mulher que fazia o discurso faíscaram. As palavras cairam todas. Havia as que rastejavam pelo chão, corrosivas e de uma côr verde fosforescente. Apostar-se-ía que radioactivas. Outras pesadonas, quais fortalezas, répteis de línguas cinzentas pendentes como lagartos gigantescos, dragões de Komodo. No meio saltavam desprevenidas algumas jovens e leves palavras que tinham saído por engano. Não estava previsto.

E toda a pirâmide se desmoronava, perante a assistência pesarosa. Afinal um

edifício tão coerente e sólido...

No centro da pirâmide estava um homem. Enrolado sobre si mesmo na posição

fetal os pés a as mãos juntos acorrentados com uma grilheta de palavras. O olhos perdidos sem LUZ, reflectiam o cérebro dissolvido pelos esforços exercidos a desmontar as palavras radioactivas.

Em torno de si revolteavam borboletas de cores, azul metálico, verde alface,

amarelo jasmim e rosa fúcsia. Eram os sentimentos que na ânsia de beber as palavras enganosas radioactivas, o homem sacudira violentamente.

Na sua pequenez, tornava-se enorme pela força das palavras. Semicerrando os

olhos ver-se-ía uma crista reptilária que lhe subia ao topo da cabeça, e ainda as palavras verdes radioactivas lhe prendiam os pulsos e os tornozelos - estão verdes não prestam - mas eu não sou raposa - já as borboletas tinham descoberto um escorrega de LUZ e entravam pela boca, pelo esófago envoltas numa luz matutina ainda húmida e e dando volta em bailado sincronizado qual clave de sol íam rodopiando à volta do coração que se enchia de uma luz branca e dourada que se distendia a todo o corpo. Por fim todo o corpo do homem era luz. Passou de opaco

a transparente, deixando ver todos os orgãos que pulsavam regulares, após o que

se transformou numa massa incandescente.

As radioactivas soltaram-se guinchando e fugiram a sete pés (cem) parecendo centopeias.

Atarantada (atarantulada) a insignificante mulher com língua de serpente inclinava

o pescoço para um só lado, incapaz de dizer sim ou não e balbuciava palavras incoerentes sem perceber todo o processo, nem qual seria a sua missão ali...